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Internacional

A democracia avança na América Latina?

  Por: Ricardo Rabelo

Os últimos acontecimentos na América Latina mostram que continua havendo todo  tipo de ação do imperialismo, direta ou indiretamente, para impedir ou dificultar  a continuidade ou volta das forças populares  ao poder. Para quem nega a ação do imperialismo como “teoria conspiratória da história” precisa apenas ver como o imperialismo age na América Latina , um continente que continua, infelizmente, de veias abertas. É certo que, quando possível, o imperialismo inventa vários ardis para atuar, usando das forças políticas internas dos países para agir. Esse é o caso da  América Latina onde as forças populares tentam, teimosamente, usar os meios eleitorais para ascender ao poder mesmo sabendo que os únicos países em que os trabalhadores e o povo tomaram o poder  o fizeram pela via da insurreição armada ( Nicarágua) ou pela guerra de guerrilhas (Cuba).

Do golpe de Estado forjado ao verdadeiro Golpe de Estado.

O caso mais esdruxulo e elucidativo é o de Pedro Castillo, no Peru. A direita fez todo tipo de ação para impedir de governar  o líder sindical que foi eleito presidente do país em 19 de julho de 2021, após vencer o segundo turno contra Keiko Fujimori por uma margem  de 44 mil votos. Sua plataforma de governo previa realização de grandes reformas estruturais no Perú, entre as quais se destacam:

Convocar uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição, que substituiria a atual, promulgada em 1993 pelo ex-presidente Alberto Fujimori.

Nacionalizar os recursos naturais, especialmente o gás e o petróleo, e renegociar os contratos com as empresas estrangeiras que exploram esses setores.

Aumentar o salário mínimo e os impostos sobre as grandes fortunas, e criar um fundo de emergência para combater a pobreza e a desigualdade agravadas pela pandemia de Covid-19.

Implementar um sistema de saúde universal e gratuito, e garantir o acesso à educação pública de qualidade para todos os peruanos.

Fortalecer a soberania e a integração regional, e se opor a qualquer ingerência externa nos assuntos internos do Peru.

Logo começaram as pressões do Congresso, onde o partido Peru Libre de Castillo tinha minoria, e onde sobressaia a liderança de Keiko Fujimori, que foi derrotada por Castillo. Ao invés de reafirmar suas propostas iniciais e mobilizar a população para conseguir implementá-las, Castillo , sem formação política sólida, escolheu a via da conciliação. Ao longo de seu curto mandato, foi abandonando as propostas mais radicais em prol  de algumas mudanças mais brandas, de expansão dos serviços de saúde e educação, por exemplo. A direita, no entanto, não lhe deu qualquer margem de manobra. Fizeram uma operação de desgaste do governo, que o impedia de governar.

                O presidente Pedro Castillo enfrentou duas tentativas de impeachment pelo Congresso peruano, que alegou “incapacidade moral permanente” para destituí-lo do cargo. As contestações foram motivadas por acusações de corrupção envolvendo integrantes do governo e pessoas próximas ao presidente. A primeira votação ocorreu em setembro de 2021, a segunda em novembro de 2021 e a terceira em dezembro de 2022, mas o Congresso não obteve os 87 votos necessários para aprovar o impeachment.

Além disso, enfrentou a contestação de vários ministros pelo Congresso peruano.  Guido Bellido, ministro da Presidência do Conselho de Ministros, renunciou em 26 de agosto de 2021, após o Congresso negar a confiança ao seu gabinete. Héctor Béjar, ministro das Relações Exteriores, renunciou em 16 de agosto de 2021, após o Congresso aprovar uma moção de interpelação contra ele. Iber Maraví, ministro do Trabalho e Promoção do Emprego  interpelado pelo Congresso em 9 de setembro de 2021 e Juan Silva, ministro dos Transportes e Comunicações, interpelado pelo Congresso em 23 de setembro de 2021, mas ambos se mantiveram no cargo até 7 de dezembro de 2022, quando foram destituídos junto com Castillo.

Como se não bastasse, teve que reformar quatro vezes o seu ministério, acossado pelas denúncias da oposição e como resultado de seu rompimento com o partido que o elegeu, Peru libre. As mudanças foram as seguintes:

Em 29 de julho de 2021, Castillo tomou posse com um gabinete liderado por Guido Bellido, um congressista do seu partido Peru Livre.

Em 26 de agosto de 2021, Castillo nomeou um novo gabinete também chefiado por Guido Bellido, um ex-governador da região de Junín, após o Congresso negar a confiança ao primeiro gabinete. Nessa ocasião, houve mudanças em seis ministérios: Relações Exteriores, Justiça, Economia, Educação, Saúde e Cultura.

Em 16 de novembro de 2021, Castillo anunciou um novo gabinete liderado por Mirtha Vásquez, uma advogada e ex-presidente do Congresso, após a renúncia de Bellido Nessa ocasião, houve mudanças em 11 ministérios: Presidência do Conselho de Ministros, Interior, Defesa, Relações Exteriores, Justiça, Economia, Educação, Saúde, Trabalho, Mulher e Populações Vulneráveis e Desenvolvimento e Inclusão Social.

Em 7 de dezembro de 2022, Castillo tentou formar um novo gabinete liderado por Roger Nájar, um ex-congressista e ex-ministro da Educação, após tentar dissolver o Congresso. Nessa ocasião, houve mudanças em 13 ministérios: Presidência do Conselho de Ministros, Interior, Defesa, Relações Exteriores, Justiça, Economia, Educação, Saúde, Trabalho, Mulher e Populações Vulneráveis, Desenvolvimento e Inclusão Social, Energia e Minas e Transportes e Comunicações. No entanto, esse gabinete não chegou a tomar posse, pois Castillo foi destituído e preso no mesmo dia.

Essa destituição foi totalmente ilegal e inconstitucional, foi um autêntico golpe de Estado. A alegação feita foi de que Castillo havia decretado a dissolução do Congresso. Essa dissolução no entanto, é prevista na Constituição, quando o Congresso nega apoio a 2 gabinetes do governo. E foi isso que exatamente aconteceu. A Constituição do Peru prevê essa possibilidade no artigo 134, que diz: “O Presidente da República tem o poder de dissolver o Congresso se este tiver censurado ou negado sua confiança a dois gabinetes”. A oposição, matreiramente, divulgou pela mídia a decisão do Governo como algo totalmente inconstitucional, como um golpe de Estado, sabendo que na maioria dos países esta possibilidade não é constitucional.

Em 13 de janeiro passado, o Ministério Público do Peru acusa Pedro Castillo de tentativa de golpe de Estado em dezembro de 2022 e pede 34 anos de prisão para Pedro Castillo, pelos crimes de rebelião, abuso de autoridade e grave perturbação da tranquilidade pública. O ex-presidente está detido desde 7 de dezembro em cumprimento de duas ordens de prisão preventiva, uma  de 18 meses e outra de 36 meses. Em declarações à imprensa, Guido Croxatto – advogado argentino que lidera a defesa internacional de Castillo – disse que no Peru “todos os procedimentos constitucionais foram violados na vacância de Castillo porque há procedimentos estabelecidos na Constituição para destituir um presidente e eles não foram respeitados.”  “Na verdade, essa condenação arbitrária e monumental se deve ao fato de que a popularidade de Boluarte, a vice -presidente que traiu Castillo e assumiu a presidência,   está no fundo do poço e o Congresso tem uma taxa de rejeição de mais de 90%. Por isso criminalizam Castillo, que cresce nas pesquisas. Trata-se de decisões arbitrárias sem qualquer base jurídica. A Suprema Corte peruana cita jurisprudência argentina obsoleta, como o caso Balbín, posteriormente rejeitado por nossa própria Corte. Mas a Corte Constitucional do Peru – que não cumpre o sistema interamericano – é ocupada por juízes fujimoristas. É por isso que Fujimori está livre apesar de seus crimes e Castillo, que não fez nada, está na prisão.”

O apoio do imperialismo norte-americano ao golpe da direita peruana foi imediato e irrestrito. A atitude do governo norte-americano foi de condenar a tentativa de golpe de Pedro Castillo e reconhecer Dina Boluarte como a legítima presidente do Peru. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em um comunicado que os EUA “apoiam o povo peruano em sua defesa da democracia e do Estado de Direito” e que “respeitam a decisão do Congresso de destituir e prender o ex-presidente Castillo por suas ações inconstitucionais”. Blinken também afirmou que os EUA estão prontos para trabalhar com Boluarte e seu governo “para fortalecer a parceria bilateral e enfrentar os desafios comuns, incluindo a recuperação da pandemia, a luta contra a corrupção e a promoção dos direitos humanos e da inclusão social”.

Além disso, os EUA enviaram uma delegação de alto nível ao Peru, liderada pelo subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Victoria “Fuck Europa”  Nuland, para expressar “seu apoio a Boluarte e ao processo democrático no país”. Nuland se reuniu com Boluarte, o primeiro-ministro Alberto Otárola, o ministro das Relações Exteriores Oscar Maúrtua, o presidente do Congresso Jorge Montoya, líderes da oposição e representantes da sociedade civil. Nuland elogiou Boluarte por sua “liderança corajosa e firme” e disse que os EUA estão comprometidos em “ajudar o Peru a superar a crise política e institucional, restaurar a confiança nas instituições e garantir eleições livres e justas em 2026”.

A grande polêmica no Peru foi exatamente a data da nova eleição para Presidente. Uma enorme multidão tomou as ruas após o golpe de Estado, formada por trabalhadores e composta também por muitos indígenas, que formam grande parte da população pobre do país .Os protestos foram enfrentados com enorme e violenta repressão. Os soldados usaram balas de fuzil para tentar confrontar as manifestações e por essa razão houve pelo menos 70 mortos. A proposta da oposição é que a nova eleição se desse rapidamente e a presidente chegou a afirmar que a eleição poderia ser em 2025. Diante da posição de apoio dos EUA à eleição em 2026, o governo deixou de se preocupar com a “democracia” .Essa é a democracia apoiada pelo imperialismo norte-americano. Talvez por isso, os EUA anunciaram um pacote de cooperação de 50 milhões de dólares para apoiar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do Peru, com foco em áreas como educação, saúde, agricultura, energia, meio ambiente, segurança e governança.

Evo Morales: ser eleito pelo povo várias vezes não é “um direito humano”

As manobras do imperialismo também estão agindo fortemente na Bolívia. Recentemente o Movimento ao Socialismo(MAS) , partido pelo qual Evo Morales foi eleito presidente da República por 3 vezes, anunciou o lançamento da sua candidatura para as eleições presidenciais e 2025. O lançamento significou um “racha” do partido, pois o atual presidente , Luis Arce, também pleteia a reeleição. O Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) da Bolívia, similar ao STF brasileiro, divulgou  em 12 de Janeiro passado pela proibição  da candidatura de Morales, alegando que não pode haver reeleição de forma indefinida e fixando em dois mandatos — contínuos ou não — o tempo máximo em que uma mesma pessoa  poderá se candidatar ao cargo.

O mais interessante na decisão do Tribunal é que foi alegado que  a reeleição indefinida “não é um direito humano” que possa ser regulada por regras internas dos países. A mais alta Corte da Bolívia se baseia numa “jurisprudência” formulada sob medida para o caso por nada menos que a OEA.  Sim,  o famoso Ministério das Colônias dos Estados Unidos, responsável por  patrocinar o golpe de estado fascista na Bolívia em 2019. A famigerada Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA , em 2021 já havia decidido que, por não ser um direito humano garantido, um presidente não pode se candidatar mais do que duas vezes ao mesmo cargo. Nessa época o governo da  Colômbia, controlado pela máfia de extrema-direita que governava o país sob o mando norte-americano, fez uma consulta à Corte  relacionada diretamente à situação na Bolívia. O mais interessante é que a decisão da OEA se refere também aos mandatos de  deputados, senadores e magistrados, que  não  poderão se candidatar a novo mandato mais de  uma vez, de acordo com a decisão do esdrúxulo Tribunal Constitucional Plurinacional. Quem deu esse poder à OEA para criar esse Tribunal, com base em que acordo entre os países latino-americanos? Não será uma surpresa se esse Tribunal “determinar” que o direito de Lula se recandidatar em 2026 também não é “um direito humano”. O mais engraçado é que os países da Europa têm mantido no poder anos a fio o mesmo governante, sendo o caso mais gritante o de Ângela Merkel.

                Evo Morales foi presidente da Bolívia por três mandatos entre 2006 e 2019,quando, apesar de ter ganho eleições rejeitadas apenas pela própria OEA, teve que deixar o país para não ser preso pelo governo golpista. Jeanine Áñez , a presidente usurpadora, está presa muito justamente pelo golpe fascista que perpetrou. Morales  voltou ao país em novembro de 2020, após a vitória de Luiz Arce  nas eleições presidenciais.

Morales protestou contra a decisão postando no X (antigo Twitter), mensagem alegando que  “a sentença do Tribunal Constitucional foi política, e é  uma prova da cumplicidade de alguns magistrados com o plano obscuro que o governo executa por ordem do império [o imperialismo norte-americano] e com a conspiração da direita boliviana.” Como fizeram em 2002 quando os expulsamos do Congresso, os neoliberais se unem para tentar derrotar o MAS e nos eliminar política e até fisicamente. Nenhum medo. A luta continua, irmãs e irmãos”,  finaliza.

Não chores por mim

A interferência dos EUA na América Latina está certamente por trás das acusações de corrupção e a tentativa de assassinato que tiraram Cristina Kirchner da disputa eleitoral de 2023,  que acabou por colocar Milei, um golpista em todos os aspectos, no poder. Está também na trama que tirou a Revolução Cidadã do poder no Equador, onde o imperialismo conseguiu atrair o candidato indicado por Rafael Correa para sua política. Lenin Moreno, comemorou sua posse na Embaixada dos EUA em Quito e seguiu  no governo uma política neoliberal radical. O país, que tinha  eliminado a base militar dos EUA e feito auditoria da Dívida, hoje está totalmente vinculado aos EUA com a alegação de uma “guerra ao tráfico”   marcada por uma bizarra invasão de uma quadrilha a um programa de televisão ao vivo. O Equador  mantém a condenação à Rafael Correa, condenado a um exílio em Bruxelas e seu  atual governo, liderado por um multimilionário excêntrico, reúne-se com o embaixador americano no país para definir o combate ao tráfico. Uma nova base militar americana está possivelmente a caminho, e o país hoje ostenta a dívida externa de 58 bilhões de dólares.

A interferência norte-americana e em geral do imperialismo “ocidental” agora também se torna uma ameaça  militar , com  a disputa pela região de Essequibo pela Venezuela( de quem o território foi tomado por várias  “arbitragens” internacionais) com a Guiana britânica. Apesar das promessas de decisão pacífica  na última reunião entre os dois países , a Inglaterra despachou um grande navio de guerra para a região e nuvens negras logo se desenharam no horizonte. A história da dominação imperialista pelos EUA na América Latina ameaça trazer para essa naturalmente pacífica região o mesmo terror e destruição que os Estados Unidos espalhou pelo mundo nos últimos anos e que hoje patrocina o genocídio do povo palestino. Como se diz nos EUA , é apenas “business as usual”  ( negócios , naturalmente).

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