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Internacional

Bolívia: crise política, econômica e as ameaças do imperialismo

Por Ricardo Rabelo

A Bolívia está de novo na mira dos EUA e da burguesia local e tudo
indica que está em andamento uma operação de mudança de regime no país.
As motivações para isso são óbvias para quem acompanha a vida política do
país no período recente. A eleição de Luis Arce em 2020 pelo partido
Movimiento al socialismo, enterrando a aventura golpista de 2019, nunca foi
aceita pela burguesia local e pelo imperialismo. O partido representa a opção
por uma política de defesa da soberania do país e de investimento em politicas
públicas que favoreçam a maioria dos trabalhadores, e em muitos aspectos o
confronto com o imperialismo, que busca se apossar das riquezas naturais do
país.
A Bolívia tem as maiores reservas de lítio do mundo, estimadas em 21
milhões de toneladas nas salinas de Potosí, o que a faz ser considerada uma
das prioridades para os fundos de investimento globais como Black Rock ,
Vanguard e para as corporações do capital financeiro internacional. Para o
Departamento de Defesa dos EUA é uma prioridade estratégica o controle do
Lítio pelo imperialismo, evitando que caia em mãos da China. O atual governo
boliviano Luis Arce mantém a proposta de industrialização desse metal
alcalino, resistindo às pressões do imperialismo pela sua exportação “in
natura”.
Isto é o bastante para os EUA caracterizar o governo de Luis Arce como
corrupto, à frente de um “narcoestado” e a disposição de eliminar os MAS do
poder. Soma-se a isso a provável entrada da Bolívia neste ano nos Brics,
aliança econômica que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia
Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. O bloco tem 40% das
reservas provadas de petróleo do mundo, 53,1% de suas reservas de gás
natural e 40,4% de suas reservas de carvão. Da mesma forma, liderados por
China e Rússia, os países BRICS+ são peças-chave na cadeia de suprimentos
das chamadas tecnologias limpas, e um dos minerais-chave para a transição
energética e a indústria de baterias elétricas é o lítio. A Bolívia também possui
reservas importantes de terras raras e água potável. A pressão externa
aumentou muito recentemente, devido à assinatura de acordos entre o
governo boliviano com os consórcios chineses CATL Brunp e Citic Guoan e a
empresa russa Uranium One Group, da corporação Rosatom, para a
construção de plantas-piloto para produzir lítio no Salar de Uyuni.
A luta política dentro do Movimento ao Socialismo coloca Luiz Arce
como um representante de uma tendência de direita, que busca apoio da
burguesia local e consegue ter influência nas principais centrais sindicais
bolivianas e Evo Morales como defensor dos interesses dos trabalhadores
rurais e urbanos. A trama contra Evo Morales chegou ao Tribunal

Constitucional que determinou que a reeleição só é possível uma vez,
eliminando a possibilidade de reeleição contínua. A decisão contou com apoio
da sempre golpista OEA , cujo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos
decidiu não reconhecer a reeleição como um “direito humano”. Os partidários
de Evo Morales fizeram grandes manifestações com bloqueios de estradas
contra esta decisão porque o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional já
estava extinto e não foram feitas novas eleições. Em função dos protestos o
parlamento boliviano concordou em convocar novas eleições para o Judiciário
e Morales espera que sejam eleitos Juízes mais respeitadores da Constituição
boliviana que não restringe a reeleição. Na Bolívia a soberania popular é que
define os juízes e não a máquina burocrática da “justiça”;
A estratégia de Arce de minar o partido Movimiento al Socialismo por
dentro atende às intenções da chefe da missão diplomática dos EUA em La
Paz, Debra Hevia que está desenvolvendo uma política de desestabilização
cujo principal objetivo é o desaparecimento do MAS e, com isso, eliminar toda
a trajetória do processo de mudança social iniciado em 2005 no país por Evo
Morales.Desde sua chegada à Bolívia, em setembro de 2023, Hevia
intensificou uma campanha de forças institucionais e extra-legais para agitação
de massas, sustentada por uma operação midiática centrada em “fake-news”
e propaganda, além de espionagem, ataques cibernéticos, sabotagem e
outros mecanismos desestabilizadores.
Para isso, Hevia, que já trabalhou no Centro de Operações do
Departamento de Estado – um grupo de trabalho dedicado a tarefas de
inteligência e operações especiais – reforçou os programas semiclandestinos
da missão com impacto político, econômico e de imersão social em áreas
marginalizadas da Bolívia. O objetivo é gerar um clima de insatisfação social
através do treinamento de lideranças para ações de rua, tudo com
financiamento do National Endowment for Democracy (NED) do Instituto
Republicano Internacional e do Instituto Nacional Democrático – instituições
que tradicionalmente organizam operações de mudança de regime e golpes
suaves dos partidos Republicano e Democrata.
Para essa ação desestabilizadora os Estados Unidos contam com atores
internos e externos como a conservadora Fundação Liberdade e Democracia,
fundada em 2023 e composta, entre outros, por ex-primeiros-ministros e ex-
presidentes de direita e extrema direita da Espanha, México, da Colômbia
Iván Duque(presidente de extrema direita da Colômbia de 2018 a 2022) e a
boliviana Jeanine Áñez (golpista do golpe em 2019, estando presa por este
crime). Cumpre um papel importante também a Aliança Latino-Americana de
Informação, formada por uma rede de redes de televisão públicas e privadas
nos Estados Unidos e na América Latina (CBS, Caracol na Colômbia, Unitel na
Bolívia e TV Azteca no México, entre outras). Como não podia deixar de ser o
golpismo conta com a participação de ONGs bolivianas como Ríos de Pie e

Fundación Construir, além do ativismo do Projeto Centurion, da organização
Grupo de Apoyo de la Iglesia Militar (ligada à Igreja Batista de Fort Bragg, hoje
Fort Liberty), em áreas rurais sob o guarda-chuva de projetos comunitários.
Da mesma forma, com o objetivo de reconstruir o braço armado da
Juventude Santa Cruz para gerar episódios violentos nas ruas, Hevia financiou
as atividades de Svonko Matkovik, com histórico de terrorista e atual presidente
da Assembleia Legislativa de Santa Cruz pelo partido Nós Acreditamos. Faz
parte da ação da funcionária dos EUA, gestões para definir um único
candidato de direita para as eleições de 2025, entre os quais dois nativos
daquele estado estão sendo considerados: o governador interino Mario
Aguilera e o prefeito Johnny Fernández e Manfred Reyes Villa, prefeito de
Cochabamba.
De acordo com o governo a Bolívia atingiu um PIB nominal de US$
46,713 bilhões em 2023, prova da eficácia do Modelo Econômico adotado
pelos governos no último período. Em 2005, inicio dos governos Morales e
Arce , o PIB tinha um valor de nove bilhões e meio de dólares.
Em 2020, as políticas improvisadas do governo golpista de Jeanine
Áñez, a corrupção predominante e os efeitos da pandemia de Covid-19
reduziram para US$ 40,703 bilhões um indicador que em 2019 era de US$
41,193 bilhões.
De acordo com o governo, a inflação de fevereiro de 2024 foi de 0,3%.
Mas a economia boliviana possui um grande problema, que é a queda do fluxo
de dólares gerado pela exportação de gás e o crescimento dispêndio de divisas
na compra de petróleo e derivados do exterior. Isso tem gerado períodos de
escassez de dólares para serem comprados pela população.
No dia 24 de janeiro, as reservas do Banco Central de livre
disponibilidade eram de US$ 620 milhões. Duas semanas depois, no dia 8 de
fevereiro, esses US$ 620 milhões tinham caído 40%, para US$ 372 milhões. As
reservas totais estavam em US$ 3,5 bilhões, mas em dinheiro vivo mesmo, só
esses US$ 372 milhões. Pela progressão matemática, esse dinheiro não
duraria até o final do mês. Começava uma corrida bancária para retirar
depósitos em dólares ou para comprar dólares antes que acabasse. Quando o
dinheiro acabou nas entidades financeiras, o Banco Central resolveu vender
diretamente ao público, temeroso de uma desvalorização do peso boliviano.
A moeda boliviana está congelada no valor do dólar em 6,96 pesos
desde 2 novembro de 2011, tornando o câmbio fixo. Não há possibilidade de
alterar isso, pois poderia gerar uma desestabilização do governo.
Para o governo, a expectativa é que os dólares voltarão para a
economia através da liberação de crédito de organismos multilaterais.
Enquanto isso, o governo conseguiu liberar US$ 540 milhões para a venda

através de dois instrumentos financeiros: liberou por completo a necessidade
de compulsórios sobre os depósitos em dólar, obtendo US$ 40 milhões, e
monetizou os Direitos Especiais de Saque, a moeda transacional do FMI,
obtendo outros US$ 300 milhões.
Outra medida do governo foi zerar os compulsórios bancários, o que
permite que os bancos liberem mais crédito para a população.
Em junho de 2015, as reservas do Banco Central Boliviano (BCB) eram
de US$ 14,7 bilhões . Hoje, são inferiores a US$ 3,5 bilhões. Desde 8 de
fevereiro, o BCB não divulga quanto dinheiro tem em caixa.
O modelo econômico implementado baseia-se no gasto público como
motor da economia. Quando foi criado, o país surfava no “boom das
commodities”, especialmente de petróleo e gás, tendo o Brasil e a Argentina
como principais clientes. Para evitar aumento de preços, o Estado passou a
subsidiar combustíveis e alimentos, principalmente.
O “boom” acabou em 2014. O gasto público tornou-se déficit fiscal
elevado(entre 7% e 10% ). A conta deficitária foi financiada com endividamento
e com as reservas do Banco Central. O aumento das exportações que permitiu
acumular reservas rapidamente não foi por aumento do volume, mas por efeito
do preço das matérias primas. Apesar da queda dos preços das commodities,
os governos de Morales e de Arce continuaram a usar o investimento público
como variável de ajuste. E como a mercadoria mais barata na Bolívia é o dólar,
tem mais sentido importar qualquer coisa do que produzi-la internamente.
A agência classificadora Fitch rebaixou a nota do país, destacando que
“a contínua queda das reservas internacionais a níveis tão baixos tornou a
situação vulnerável a oscilações bruscas. A adoção de medidas de arrocho
fiscal é impossível, pois levaria à redução dos gastos sociais e subsídios.
Quando Evo Morales chegou ao poder em janeiro de 2006, o gasto público era
de US$ 1,7 bilhão e hoje chega a US$ 13 bilhões.
A política econômica não aumenta os investimentos na produção de gás
e esta não aumenta. Há até uma redução porque não são descobertos novos
poços que substituam aqueles que acabam. Já o investimento direto externo há
dois anos foi de US$ 400 milhões; no ano passado, US$ 200 milhões.
Em 2014, a Bolivia produzia 61 milhões de metros cúbicos diários de
gás; hoje, produz 40% a menos, em torno de 37 milhões. A produção diminui
3,5% todos os anos. O parque automotor aumentou, mas para não haver
aumento nos combustíveis, em boa parte importados, há subsídios à gasolina e
ao óleo diesel.

Com isso, de exportadora de energia, a Bolívia se tornou, desde abril de
2022, em importadora de energia. A balança energética é deficitária em US$
1,1bilhão. Há dez anos, era superavitária em US$ 4 bilhões.
Nessa situação econômica, o governo não adota reformas estruturais
que possam direcionar os recursos do setor privado para o setor público e se
torna, portanto, vulnerável às pressões econômicas e políticas do imperialismo.
A mobilização dos trabalhadores tem, até agora impedido ações de
desestabilização internas ou externas. Mas não se pode subestimar a
capacidade do imperialismo em forçar mudanças de regime , agora não mais
na forma de golpe improvisado, mas de uma estratégia planejada de
manipulação das massas e unificação de uma candidatura única da direita,
para não só ganhar as eleições mas destruir o MAS e todas as conquistas
obtidas até agora.

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