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Internacional

ELEIÇÕES NA INDONÉSIA: UMA OPERAÇÃO GOLPISTA

Por Ricardo Rabelo

O atual presidente da Indonésia  terminou seu segundo  mandato, e não poderá mais  ser reeleito. Ele tem uma trajetória política inédita no país que conheceu o maior massacre político da história. Segundo a própria CIA  houve  o extermínio de pelo menos meio milhão (há números maiores) de opositores políticos,  de todas as forças políticas,  mas principalmente do Partido Comunista, pelo general Suharto, colocado no cargo pelo governo dos EUA pouco depois do golpe no Brasil, na década de 60 do século XX . Assim como no Brasil, a ditadura sangrenta e criminosa foi implantada para garantir a “democracia ocidental” contra a “ameaça comunista” em plena guerra fria. 

Ao contrário de Suharto, Joko Widodo, o atual presidente,  é extremamente popular por ter feito um governo “rebelde”, tanto em relação ao imperialismo como em relação à burguesia indonésia. Ele nasceu e viveu em uma favela, e teve uma ascensão rápida:  foi prefeito de sua cidade natal em 2005, depois governador de Jacarta em 2012 e, finalmente, presidente dois anos depois.

Ao mesmo tempo que enfrentava a burocracia e a corrupção da burguesia, investiu pesado em programas sociais e em infraestrutura o que resultou num crescimento econômico vigoroso e melhorias no bem estar  dos cidadãos. No plano externo consagrou-se pelo nacionalismo, adotando uma política externa independente, para grande desagrado do imperialismo norte-americano. Sempre defendeu a independência da Palestina e não estabeleceu relações diplomáticas com Israel. Optou também pela paz com relação à guerra na Ucrânia. E mantem relações ativas com o Irã.

A Cúpula China-ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) realizou-se em 6 de setembro de 2023, em Jacarta, capital da Indonésia. A Indonésia é o maior país da ASEAN em termos de população e economia, e Jacarta é a sede da Secretaria da ASEAN. A Indonésia participa da Iniciativa Cinturão e Rota e a China é seu maior parceiro comercial.

Este perfil não agradou o governo norte-americano, que não admite países soberanos e que fujam de sua “ordem mundial baseada em regras.” Desta vez, no entanto, o governo norte-americano não tem condições políticas de impor uma ditadura brutal, que durasse 20 anos oprimindo seu povo e  submetendo seu país aos desígnios do imperialismo. 

A montagem de uma operação golpista na Indonésia

Para os muitos isso já era esperado, e até mesmo poderia ser pensado que os EUA estariam organizando um “golpe brando” na Indonésia, desenvolvendo uma série de ações envolvendo ONGs e similares para poder fazer o sucessor do atual presidente. “Isso é teoria da conspiração”, seria a resposta dos famosos sábios de plantão. O incrível é que o vazamento de documentos oficiais do governo norte-americano que atestavam já no ano passado  que é isso mesmo que os EUA estavam fazendo.

Os documentos passados anonimamente a um site de jornalismo investigativo revelaram  que o National Endowment for Democracy (NED), uma notória fachada da CIA, estava lançando as bases para uma operação golpista na Indonésia. Os arquivos vazados são relatórios semanais enviados do escritório indonésio do Instituto Republicano Internacional (IRI) para a sede em Washington durante junho, julho e agosto de 2023. O IRI é um componente central do NED, que normalmente trabalha com outro, o Instituto Nacional Democrata, ambos vinculados aos dois partidos norte-americanos.

O  NED é sabidamente um organismo conspiratório, voltado para gerar artificialmente conflitos e movimentos de rua contra governos democraticamente eleitos em todo o mundo. Ele é literalmente o “exportador de democracia”, através de métodos antigos (subornos, cooptação de agentes políticos, cobertura para ações violentas da CIA) e as atuais operações secretas  e de massa contra a soberania popular do voto. . De acordo com informações oficiais da organização, o NED  age  em mais de 100 países e distribui mais de 2.000 polpudos subsídios anualmente. Na Indonésia, altas quantias foram espalhadas para as famosas ONGs, associações  da sociedade civil e, fundamentalmente  partidos políticos e candidatos em todo o espectro ideológico. 

O objetivo era um só: garantir que o próximo presidente e os demais políticos a serem eleitos em 2024 sejam ligados visceralmente ao establishment norte-americano. E se algo errado acontecer, já estão devidamente financiados aqueles que farão os protestos “espontâneos” contra mais um “ditador” que “manipulou as eleições”.

Tudo levava a crer que o imperialismo buscava outro candidato que se opusesse a   Joko Widodo, e não desse continuidade às politicas internas e externas que colidissem com os interesses norte americanos. No ano passado o governo Indonésio enfrentou grandes manifestações contra suas medidas econômicas, sejam elas impopulares como as liberações de preços dos combustíveis com aumentos de cerca de 30% ou as mais populistas, como a  Lei de Criação de Emprego, que misturava medidas liberais com as de incentivo ao emprego. Os documentos vazados revelaram que funcionários da embaixada dos EUA participaram diretamente no fomento de protestos trabalhistas na tentativa de enfraquecer o presidente. 

A inacreditável Operação Golpista 

Um outro movimento golpista se desenvolveu nos últimos anos na Indonésia, envolvendo uma figura  tenebrosa, a do General Prabowo Subianto. Ele foi um dos importantes generais encarregados da  prisão, morte e torturas contra civis, desenvolvidas  pela ditadura  de Suharto no período 1964-1998, inclusive coordenado ações em regiões fortemente hostis da Papua Ocidental  e Aceh , além da invasão de Timor Leste. 

Herdeiro de uma rica família de banqueiros, Prabowo detém centenas de milhares de acres de plantações, mineração e propriedades industriais. Ele era genro do falecido ditador general Suharto, que, com o apoio dos EUA, governou a Indonésia por 32 anos.Suharto tomou o poder em um golpe de 1965, derrubando Sukarno, o presidente civil fundador do país e líder do Movimento dos Não-Alinhados. Então, com a CIA fornecendo uma lista de morte de 5.000 nomes, Suharto e seu exército mataram de 400.000 a um milhão de civis indonésios.

Em 1975, após uma reunião com o presidente Gerald Ford e Henry Kissinger, Suharto – com suas armas e sinal verde – invadiu o vizinho Timor-Leste. Lá, as forças armadas indonésias mataram um terço da população timorense. Prabowo, como genro de Suharto, foi um comandante sênior dos massacres em Timor-Leste ocupado. Em uma delas, em Kraras, em 1983, na montanha de Bibileo, “várias centenas” de civis foram assassinados, de acordo com um inquérito apoiado pelas Nações Unidas. Prabowo também torturou pessoalmente cativos; um deles relatou que Prabowo lhe  quebrou os dentes.

Prabowo se  descrevia “o menino dourado dos americanos”. Ele trabalhou lado a lado com os EUA enquanto realizava massacres, torturas e desaparecimentos – tão de perto que seus colegas oficiais, segundo ele, às vezes zombavam dele como “o americano”.Inicialmente treinado pelos EUA em Fort Benning, na Geórgia, e Fort Bragg, na Carolina do Norte – hoje conhecidos como Fort Moore e Fort Liberty, respectivamente,  Prabowo trabalhou diretamente  com o Pentágono, incluindo a Agência de Inteligência de Defesa, à qual ele disse se reportar pelo menos semanalmente. 

Em 1998, na crise final do  regime de Suharto,  Prabowo sequestrou 24 ativistas democráticos, 13 dos quais ele “desapareceu”. Ele também gerou uma campanha de assassinatos, incêndios criminosos e estupros, principalmente contra residentes de etnia chinesa. Ele tentou culpar  alguns dos seus  crimes de 1998 ao seu rival – o general Wiranto,  mas ele não tentou negar seu próprio papel na condução dos motins anti-chineses.  Segunddo relato dele a um jornalista “ foram 128 incêndios ao mesmo tempo”, disse com orgulho. “Foi uma operação: planejada, instigada, controlada.”

A tentativa de reprimir os protestos contra as arbritariedades do regime, no entanto, fracassou. Suharto, que governou o país por mais de três décadas, foi forçado a renunciar ao cargo em 21 de maio de 1998, após anos de resistência. Seu vice, Jusuf Habibie, assumiu o poder e iniciou um período de transição para um sistema democrático.

Menos de 70 horas depois de um novo presidente tomar posse, Prabowo encenou uma tentativa fracassada de golpe. Nos anos seguintes, Prabowo continuou envolvido em assassinatos de civis, inclusive em Aceh e Papua Ocidental. Quando se candidatou à presidência em 2014, Prabowo fez uma campanha em moldes fascistas.  Em 2017, agindo sob um pretexto religioso, Prabowo e seus generais apoiaram um movimento golpista, com apoio de uma milícia alinhada ao Estado Islâmico. Em 2019, quando se candidatou novamente à presidência, essa milícia, a Frente Pembela Islam, agitou bandeiras negras do Estado Islâmico em comícios de Prabowo. Ele fez campanha em carro aberto se autodenominando “presidente do E I Indonésia”.

Esta figura sinistra foi derrotada duas vezes pelo atual presidente  Joko Widodo. Na primeira vez, em 2014, o presidente se elegeu com apoio das antigas vítimas de Suharto e Prabowo. Chegaram a falar até em processar os generais golpistas de crimes de guerra.  Em 2019, depois que Jokowi derrotou o general Prabowo pela segunda vez, Prabowo fez mais uma  tentativa de golpe, apoiando distúrbios de rua que envolveram saques em massa e incêndios em Jacarta. 

Surpreendentemente, ao contrário do que se esperava, Joko Widodo não colocou Prabowo na cadeia. Ele convidou o general para ser ministro da Defesa do seu governo, julgando que assim eliminaria as suas ameaças golpistas. Conseguiu terminar seu segundo mandato em paz, mas colocou a Indonésia numa possivel rota de retorno à ditadura dos anos 60.

Uma campanha golpista “fofinha”

Apesar de Joko Wikodo não apoiar abertamente e não participar da campanha de seu antigo adversário, seu filho Gibran entrou na chapa de Prabowo como vice-presidente. Trata-se de uma operação golpista sob o disfarce de uma campanha eleitoral “democrática”. Como   explicar  porque o atual presidente se envolveu diretamente na campanha de seu tradicional adversário, abandonando a campanha do candidato de seu partido? Em primeiro lugar  o exército nunca aceitou naturalmente a evolução do governo de Jokowi. As pressões sempre foram grandes e as tentativas de golpe de Prabowo certamente tiveram apoio dos outros  generais. Em segundo lugar, o apoio da burguesia indonésia ao general foi claro, com provável financiamento de uma campanha tradicionalmente cara. E a  candidatura do filho de Jokowi só foi possível pela decisão favorável da Suprema corte, pois a constituição exige uma idade mínima de 40 anos e Gibran tem apenas 36 anos. 

Para Prabowo  ter sido  eleito no primeiro turno de 14 de fevereiro passado, ele precisava obter 50% mais uma das cédulas aceitas na votação tripla e receber pelo menos 20% dos votos em 19 das 38 províncias da Indonésia. Essa façanha foi realizada, segundo os resultados das pesquisas de boca de urna. O resultado oficial só será divulgado em 20 de março. Ele não faz mais ameaças de golpe, porque tem todo o aparato estatal por trás.  As engrenagens do poder estatal  desempenharam  um papel fundamental na campanha. Autoridades locais foram ameaçadas de processo se não apoiassem o general. E em todo o país, o exército e a polícia “instruiram” as pessoas a votar em Prabowo, uma exigência que veio junto com ameaças para as populações mais pobres  que dependem do Estado para sobreviver. Sacos de arroz e óleo de cozinha distribuídos pelo governo estampavam em todo o país os adesivos  de Prabowo. As famílias que precisam obter as provisões às vezes eram obrigadas a buscá-las nos escritórios de campanha de Prabowo.  Videos da campanha mostram o candidato distribuindo sacos de arroz e jogando presentes para os apoiadores. 

A campanha não apresentou propostas claras do que o  aprendiz de ditador irá adotar. Os discursos foram substituidos por eventos festivos em que o candidato faz à vezes de um personagem de quadrinhos e  faz dancinhas de uma dança simples, com inspiração militar. Um personagem de desenhos animados é utilizado para vender a idéia que o candidato é um “vôvô fofinho”.Os vídeos nas redes sociais, em especial no Tik Tok, mostram claramente um falseamento do candidato, semelhante ao que Milei fez na campanha eleitoral argentina.

Os prognósticos de resultados positivos, no entanto,  não abalaram a verve golpista do candidato. Em uma reunião interna na véspera das eleições, oficiais do Exército e da inteligência discutiram a existência de um plano para, se necessário, usar o aparato estatal para fazer fraude eleitoral, de acordo com informantes internos da campanha. O procedimento preparado envolve policiais e “babinsas” — olhos, ouvidos e mãos do Exército no nível do bairro — recebendo e distribuindo dinheiro para consertar folhas de tabulação em nível de delegacia, bem como, em alguns casos, a entrada de dados de computador no nível do distrito administrativo, com opção de hackear o sistema interno da comissão eleitoral.

No passado, funcionários de campanha se gabaram de usar tais táticas em lugares onde eles têm influência. Sua aplicação em nível nacional pelo Estado pode ter  implicações potencialmente grandes – ajudando a ceder a democracia indonésia, mais uma vez, ao governo despótico dos militares. O menino dourado dos americanos certamente está sendo também ajudado pelos serviços da CIA e similares. 

Apesar de aparecer como  continuidade do governo anterior isso pode se esvair rápidamente após a posse do  general, que, certamente, não é “fofinho”. Circulam rumores de reuniões secretas do candidato com emissários do governo israelense, sendo que recentemente foi apreendido pelo atual governo um petroleiro iraniano, país até agora aliado da Indonésia,  seguindo orientações das sanções do governo americano.O imperialismo não deixará escapar esta oportunidade para influenciar o governo no sentido da sua política  hegemônica mundial. 

Neste quadro é preciso que se crie, no Brasil e na Indonésia, e em todos os países atrasados um grande movimento político de massas anti-imperialista. A necessidade de um movimento deste tipo é clara, tanto para elevar o nível de consciência dos trabalhadores sobre estas ações  do imperialismo  como para municiar as lideranças e governos de esquerda para a manutenção da soberania popular do voto e a soberania nacional não só territorial mas também econômica.

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