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Internacional

As invasões de Abril

Por Ricardo Rabelo

A violenta invasão da polícia equatoriana à embaixada mexicana em Quito, na noite de 6 de abril, para sequestrar o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas mostra, ao mesmo tempo, uma mudança  no imperialismo em termos gerais e em particular para a America Latina.A invasão se une  diretamente ao bombardeio da Embaixada do  Irã na Síria pelo governo fascista de Israel. Estes atos mostram que os objetivos do imperialismo ultrapassam qualquer barreira legal, até  mesmo a preservação das embaixadas  como território intocável. Na verdade isto já era sabido, pois as ações do imperialismo são quase sempre voltadas para derrubar os governos considerados inimigos e portanto não respeitam as regras formais da democracia burguesa   ou das democracias populares. Mas desta vez trata-se de um princípio  básico da convivência entre os paises que até agora era respeitado, pelo menos oficialmente, pelo imperialismo. 

Por outro lado, as duas ações tem um alvo, seja prender um politico  supostamente corrupto, ou atacar a representação diplomática do inimigo em outro país. Mas ambas as ações procuram passar uma mensagem política de alta relevância  para os objetivos estratégicos de cada um deles. 

No caso de Israel, trata-se de mostrar de forma clara a vinculação dos guardas revolucionários islâmicos do Irã com a Síria e que eles estariam ali planejando e articulando ações contra Israel  disfarçados de resistência síria. Já no caso do Equador o governo esgrime um discurso anticorrupção típico do desenvolvido pelo Departamento de Justiça norte americano na época da Lava Jato, ou o divulgado recentemente pela Anistia Internacional sobre o governo Lula e o STF. Trata-se da utilização do judiciário e do aparato legal do estado contra os inimigos políticos , com o pretexto de compater a corrupção. É interessante notar que o discurso  adotado pelo governo  equatoriano tem um caráter de afirmação de uma ordem legal anticorrupção  e a caracterização  do ex-vice-presidente Jorge Glas como criminoso comum, que não deveria ter a proteção do asilo político. A mensagem subjacente é que não pode haver qualquer limite ao pretenso combate à corrupção. Sabe-se que Jorge Glas foi preso pelo Governo Lenin Moreno antes de ter qualquer acusação firmada contra ele e que as acusações posteriormente estabelecidas são todas  sem provas  e sem um processo jurídico normal. Não é a toa que Jorge Glas foi imediatamente levado para uma prisão de segurança máxima e  lá se encontra incomunicável e sem direito à defesa. 

Esse total desprezo às leis e instituições burguesas pela política do imperialismo  também já se revelou no apoio irrestrito dado ao golpe de Estado no Peru, que fez acusações semelhantes a Pedro Castillo, e o mantem preso  por penas de 20 anos,  sem um julgamento publico e com direito a defesa. Isso sem falar na violenta repressão da ditadura de Dina Boluarte que já matou um número incalculável de opositores ao regime. E a violência como modus operandi caracteriza o governo fascista de Milei, que demonstra um total desprezo às instituições e legislação burguesa para implantar seu programa de governo, que declara guerra aos trabalhadores e  ao povo argentino em geral. 

A reação às invasões

Diante da ação ilegal  de Israel, nenhuma reação aconteceu à altura do evento. Seria o caso de se estabelecer as famosas sanções, rompimento de relações diplomáticas em massa  em ternos mundiais e exigência de que Israel pedisse desculpas pelo que fez e reconstruisse a embaixada. Nada disso aconteceu. Além disso, Estados Unidos, Reino Unido e França se opuseram a um projeto de declaração da Rússia no Conselho de Segurança da ONU que teria condenado um ataque contra o complexo da embaixada do Irã na Síria, pelo qual o governo iraniano culpou Israel, aliado dos EUA. 

No caso do ataque à embaixada do México pelo Governo do Equador, a Venezuela se destacou por sua contundência ao emitir um comunicado por meio de seu Ministério das Relações Exteriores, no qual o governo de Nicolás Maduro denunciou a captura “ilegal” de Jorge Glas, que havia recebido asilo devido a perseguição política. Por sua vez, a Nicarágua seguiu o exemplo do México ao romper relações diplomáticas com o Equador, chamando a ação de Quito de “incomum e reprovável” e anunciando sua decisão soberana de encerrar todas as relações diplomáticas com o governo equatoriano.

Da mesma forma, outros nove países, incluindo Brasil, Colômbia, Cuba, Bolívia e Honduras, expressaram firme rejeição aos acontecimentos. A presidente de Honduras, Xiomara Castillo, que também é presidente pro tempore da Celac, convocou uma reunião urgente do bloco regional após o incidente e solicitou a intervenção dos chanceleres. O presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou a promoção de ações para que a CIDH da OEA emita medidas cautelares em favor de Jorge Glas.

Até mesmo o governo de Javier Milei, na Argentina, condenou o ataque à embaixada mexicana em Quito, enfatizando a importância da plena observância das disposições da Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954 e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Os países da Comunidade do Caribe  expressaram sua preocupação em um comunicado oficial sobre as violações cometidas pelo Equador. Note-se que todos os países da região reagiram a este evento, exceto o governo de Nayib Bukele de El Salvador.

Apesar de não estar geograficamente dentro da região, é relevante destacar a declaração emitida pela República Islâmica do Irã, particularmente no contexto de um recente ataque de Israel ao seu consulado na Síria, que resultou na morte de sete pessoas, incluindo altos comandantes militares do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC). O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, Naser Kanani, expressou a preocupação de seu país e ressaltou a importância de respeitar e garantir a segurança do pessoal e da sede das missões diplomáticas e consulares.

A Convenção de Viena

A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas é um tratado internacional que estabelece as normas e regras que regem as relações diplomáticas entre os Estados. Foi adotado em 1961 e é considerado a principal fonte de direito internacional nesta área. O ataque a uma embaixada é considerado uma grave violação da Convenção de Viena, uma vez que as embaixadas são consideradas território extraterritorial do Estado que representam e gozam de imunidade diplomática. Os Estados receptores têm, portanto, a obrigação de não invocar regras de direito interno para justificar buscas, invasões e outras violações de obrigações internacionais. Portanto, a argumentação do governo do Equador em favor das acusações de corrupção ao ex-vice-presidente equatoriano como razão para efetuar a invasão é totalmente inválida.

Nos últimos anos, houve outras violações desses princípios. Em abril de 2019, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, foi preso na embaixada do Equador em Londres, encerrando quase sete anos de asilo diplomático no país. O então presidente equatoriano Lenín Moreno anulou o asilo concedido anteriormente   Assange , que então foi preso pela polícia britânica. 

Da mesma forma, naquele mesmo ano, a embaixada da Venezuela em Washington, D.C., foi sitiada por semanas por um grupo de opositores simpáticos ao autoproclamado “presidente interino” Juan Guaidó. Esses indivíduos assumiram ilegalmente o controle da embaixada depois de invadir a embaixada com o apoio das autoridades americanas.

Porque o Imperialismo desrespeita as regulações internacionais

Há atualmente na América Latina uma série  de governos de extrema direita, como os de Equador, El Salvador e Milei. A doutrina do “inimigo interno”, historicamente usada para justificar a perseguição a povos inteiros, é agora atualizada sob uma nova roupagem. Influenciados pelos Estados Unidos e por Israel, esses governos de direita contam com operações policiais e militares repressivas que lembram os tempos das ditaduras latino-americanas das décadas de 70 e 80. 

No Equador, na esteira combate à  criminalidade e ao narcotráfico, o presidente Daniel Noboa declarou um “conflito armado interno” que levou a uma crescente militarização da sociedade e a um papel dominante das Forças Armadas sobre a Polícia Nacional. Desde o início da crise, quando bandos armados realizaram oeprações que assustaram a população, o Estados Unidos se ofereceram a ajudar no combate à criminalidade e foram muito bem recebidos pelo Governo equatoriano. Essa situação, a repressão militar e o populismo penal acabam criminalizando grupos empobrecidos e racializados, o que pode se tornar uma estratégia para reprimir protestos populares e resistências territoriais.

O ataque à embaixada mexicana no Equador para deter Jorge Glas é um exemplo claro dessas novas formas de controle e repressão que estão surgindo em alguns países latino-americanos, com o agravante das violações do direito internacional. Ao mesmo tempo, vemos Israel cometer crimes ainda mais graves em sua tentativa de consolidar a ocupação ilegal da Palestina, com o apoio do Ocidente. Portanto, os governos da América Latina e do Caribe não devem esperar que essas violações aumentem para tomar medidas decisivas para impedir a Israelização da região.

As opções da  América Latina

O mais trágico para a região é que, apesar de ter instituições e mecanismos de integração para enfrentar uma crise tão delicada como a que se avizinha, como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), está de mãos atadas e com uma espécie de paralisia que dificulta sua atuação. Certamente, nada vai acontecer.

Parte desse imobilismo se deve à falta de agilidade da Celac, que depende da estrutura diplomática de cada país e principalmente da presidência rotativa hoje dirigida por Xiomara Castro, de Honduras  para tomar as decisões. O problema maior, no entanto, é a inexistência de uma consciência geopolítica comum para enfrentar a enorme pressão política, econômica e militar desenvolvida pelos EUA  que busca o alinhamento completo e automático da região à sua politica externa. 

A ofensiva desencadeada pelos Estados Unidos a partir do fracasso de obter unidade da região a favor da politica do país  em relação à  guerra da Ucrânia  resultou até agora  nos compromissos militares firmados pelo Comando Sul na Guiana, Equador e Argentina. Mas essa ofensiva não vai se limitar a esses países e visa impedir que a integração da América Latina avance e principalmente que seja  desafiada qualquer iniciativa no sentido de fortalecer a soberania nacional  de cada país. 

O Brasil, como um dos mais importantes países da região, tem um importante papel a desempenhar na integração da América Latina e na ampliação da participação de países da região nos Brics. Trata-se de buscar uma independência em relação aos Estados Unidos, cuja política visa um novo massacre da população pelo ultraliberalismo  como o que Milei está tentando implantar na Argentina.

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