Por Ricardo Rabelo
A velha toupeira de que falava Marx ressurgiu novamente na África. Quando
todos veem a ascensão da ultra direita no mundo e julgam que o fascismo está
avançando em toda parte, se esquecem que o mundo não se resume a EUA e
Europa e parte da América Latina. Grande parte do mundo hoje é
representado por um bloco de países claramente anti imperialistas, que se
estruturam para enfrentar o imperialismo, independentemente da ideologia ou
estrutura política de cada um deles. Para manter sua soberania e assegurar o
desenvolvimento do país, garantindo um nível de vida melhor para seus
cidadãos, vários países estão se desligando do imperialismo e grande parte
deles está enfrentando o domínio imperialista. O imperialismo está obrigando
grande parte da humanidade a ser anti imperialista como única opção para não
ser destruída ou dominada por ele.
Na África a revolução social ressurge sobre as mais variadas formas com o
objetivo comum de derrubar a ordem vigente , como golpes de estado ou
mesmo adotando a forma de insurreição popular. Os africanos aprenderam
com o colonialismo ocidental que é preciso lutar sempre contra a opressão.
É o que está ocorrendo no Quênia nestas últimas semanas.
Uma onda de protestos radicais tomou conta do país desde meados de
Junho devido a tentativa do Governo de aprovar um projeto de lei que que
aumentaria os impostos sobre uma série de bens e serviços de primeira
necessidade. O governo pretendia extrair da população, da qual 70% está
abaixo do nível de pobreza, alguns milhões de dólares para pagar os
vencimentos de parte da dívida do país junto ao FMI. O governo respondeu
com a declaração do Estado de emergência e a mobilização do Exército para
enfrentar os manifestantes.
A repressão violenta, no entanto , não arrefeceu os ânimos da população, com
os quenianos a enfrentando o gás lacrimogéneo, as balas de borracha,
canhões de água e o Exército que usou de armas reais. A mobilização só se
ampliou e radicalizou com a exigência de demissão do Presidente William
Ruto.
Durante anos, o Quénia foi sufocado pelo FMI. O Parlamento aprovou o
orçamento fiscal com o qual o governo de William Ruto pretendia aumentar os
impostos sobre alimentos e combustíveis para pagar os vencimentos da dívida
ao FMI.A dívida externa é hoje de 78 bilhões de dólares.
Milhares de pessoas saíram às ruas para se opor a essas medidas. A polícia e
o Exército em sua repressão assassinou, feriu e prendeu vários manifestantes.
O Quénia tem mais de 54 milhões de habitantes, dos quais 31 milhões vivem
abaixo do nível de subsistência. Neste contexto, o aumento dos preços dos
bens de primeira necessidade devido à aplicação de aumentos de impostos é
algo insuportável para a maioria dos trabalhadores quenianos.
Pouco depois de tomar posse, em Setembro de 2022, o Governo Ruto aplicou
cortes acentuados nas despesas sociais cancelando os subsídios à farinha e
aos combustíveis. Em Julho de 2023, aplicou um imposto de 1,5% sobre a
habitação e duplicou o IVA sobre os combustíveis de 8% para 16%, elevando o
preço de um litro de gasolina para 212,36 xelins (1,6 USD) no final de 2023.
Face a esta situação, em Julho de 2023, ocorreram enormes mobilizações
contra o aumento do custo de vida. A política do Governo foi reprimir
brutalmente a população, com centenas de detidos e dezenas de assassinatos
que permaneceram impunes .Um ano depois o governo Ruto mantém a sua
política e tenta aumentar impostos para pagar ao FMI. Entretanto, os
trabalhadores não aceitam a imposição do governo, que não pune a evasão
fiscal dos grandes empresários que recebem enormes benefícios fiscais do
Governo.
William Ruto o presidente do imperialismo e do FMI
O Governo Ruto age claramente em beneficio do imperialismo e dos
capitalistas locais. Ao mesmo tempo que aumentava os preços dos bens
essenciais, o Quénia pagou 560 milhões de dólares das Euro-obrigações de
2014, utilizando uma parte das receitas de um empréstimo de 1,2 bilhões de
dólares do Banco Mundial que tinha recebido no final de Maio. Este ciclo
vicioso a que o imperialismo submete o país de pagar parte de uma dívida
com os recursos de um empréstimo , longe de resolver o problema, torna-o
ainda pior.
Rebelião popular contra impostos
Como não bastasse toda esta política, na quinta-feira, 25 de junho, o
Parlamento aprovou, com 195 votos a favor, 106 contra e três nulos, o
orçamento 2024/25. O seu único objetivo é angariar mais 2,7 bilhões de
dólares e assim pagar o resto dos vencimentos da dívida externa que
ascendem a cerca de 3,5 bilhões de dólares.
O projeto de lei apresentado visava o aumento de 5% nas taxas das
transferências bancárias e dos pagamentos através do celular, um aumento de
16% do imposto sobre o pão e de 25% sobre os impostos dos óleos vegetais,
um acréscimo de 2,75% para os trabalhadores inscritos no plano de saúde
nacional e um imposto anual de 2,5% para veículos. Com o crescimento das
mobilizações, no dia 18, o Governo retirou algumas rubricas, como pão ou
transações bancárias, do projeto orçamentário. Mas era tarde demais. As
mobilizações em Nairobi, a capital, não pararam e chegaram ao parlamento no
dia da sua aprovação para demonstrar toda repulsa ao projeto do governo. A
juventude e a maioria da população não estão dispostas a pagar pela crise que
os governos e os grandes capitalistas causaram.
Uma grande marcha chegou às proximidades do Parlamento, cercada pela
polícia. Os lemas do movimento eram : não modifique, rejeite! Fora Ruto ! A
população mobilizada insistiu, exigindo que os deputados rejeitassem o
projeto. Os milhares de manifestantes enfrentaram a repressão da polícia que
não conseguiu impedir a ocupação do Parlamento. O Congresso,
“democraticamente” aprovou o projeto. Em protesto os manifestantes
incendiaram parte do prédio do Congresso e alguns veículos nos arredores da
Suprema Corte.
Utilizando uma rede nacional de televisão o Presidente William Ruto defendeu
que a repressão era para defender a democracia de um “ataque sem
precedentes ao Estado de direito e às suas instituições” e ordenou a
intervenção militar em Nairobi para controlar a mobilização “ seja qual for o
custo” A repressão foi brutal. A policia teria atirado mais de 40 vezes contra
varias pessoas em Nairobi, entre as 22 horas e a 1 hora, muito depois do fim
dos protestos de acordo com comunicado da Anistia Internacional no Quênia.
O resultado foi de pelo menos 23 mortos, 160 feridos e 52 detidos, com muitos
desaparecidos.
Os efeito foi oposto ao esperado pelo governo. Diante da comoção nacional
provocada pela repressão, o Presidente foi obrigado a anunciar que não
sancionaria a lei. A insurreição deve continuar com a mobilização das
organizações sindicais e políticas dos trabalhadores juntamente com a
juventude. Pela via da mobilização e da greve dos trabalhadores, o Governo
pode ser derrotado e obrigado a romper com o FMI, ignorando o pagamento da
dívida externa. O movimento exige o não pagamento da dívida externa e exige
aumentos de salários e pensões. Outras reivindicações exigem medidas
concretas contra o custo de vida como a eliminação total do IVA da cesta
básica e que sejam garantidos os fundos necessários para o trabalho, a saúde
e a educação do povo trabalhador.
O governo do Quênia exporta a repressão para o Haiti
O Governo, por ordem do imperialismo, ao mesmo tempo que assassinava
manifestantes e ordenava a militarização de Nairobi, começou a enviar tropas
policiais ao Haiti para realizar uma nova intervenção militar no violentado país
caribenho. A intervenção ocorre após o fracasso do Governo de fato de Ariel
Henry, que não conseguiu impedir o controle do país por milícias do crime
organizado. O novo Conselho Presidencial formado pelos partidos burgueses
PHTK e Lavalas, após a saída de Henry, juntamente com a Comunidade
Caribenha (CARICOM), a ONU e o imperialismo ianque e francês financiará as
tropas enviadas pelo Quénia e outros países africanos para replicar, desta vez
sem o Canadá ou Brasil, a MINUSTAH.
Esta política não procura resolver os problemas da ilha, o seu objetivo é
sustentar a intervenção militar, que utiliza agora os negros africanos para
reprimir a população do país que eliminou a escravidão pelos próprios
escravos. O governo do Quênia não oprime só o seu próprio povo, mas se
submete ao imperialismo para exportar a repressão. O objetivo é devolver o
país aos capitalistas e assim proteger os seus lucros e a pilhagem da ilha ao
serviço do imperialismo e das multinacionais.
Uma série de organizações de trabalhadores e de defesa dos direitos
humanos emitiu um abaixo assinado em 30 de Outubro de 2023 em que
condena a intervenção militar no Haiti.O abaixo assinado diz que
“consideramos que uma nova intervenção militar imperialista para apoiar os
políticos burgueses corruptos não trará prosperidade e paz ao Haiti, pelo
contrário, dará continuidade ao tipo de interferência que tem sido crucial para o
desenvolvimento da crise atual.”
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