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Internacional

Israel X Irã: uma crise explosiva

Por Ricardo Rabelo

Israel é um estado totalmente à deriva. Sustenta guerras diretas com vários países e forças militares autônomas, como o Hezbollah, para o qual  perdeu duas guerras e não conseguiu, após 11 meses de violento genocídio do povo palestino, derrotar a guerrilha do Hamas e do conjunto da resistência palestina. Sua economia está destruída e tende ao colapso, o país perdeu alguns milhões de habitantes que fugiram da guerra e cerca de 200 mil habitantes deslocados internamente. Já o Irã é uma país que consolidou-se economicamente, tem um regime absolutamente estável com eleições regulares, fortes alianças internacionais, uma população muito maior que Israel, um exército fortemente estruturado com armas modernas, mas é possível que ainda não possua ogivas nucleares. Israel tem uma força garantida pelo apoio dos EUA e pela  posse de varias ogivas nucleares.  

Para analisar a possível guerra entre estes dois países é preciso saber qual é a situação política de cada país atualmente e como pretendem derrotar seus adversários. 

Israel:  a crise do governo Netanyahu.

O atual governo israelense é comandado  pelo partido Likud , de extrema direita  e vários partidos ultra radicais, como o que defende os interesses dos colonos, ou seja, os grileiros de terras palestinas ou de religiosos judeus ultraortodoxos. O que os une é o projeto do Grande Israel, que envolveria a posse de todo o território palestino e adicionaria partes dos territórios hoje pertencentes à Jordânia, Egito e Síria. Esse é o projeto dos chamados sionistas revisionistas, que seguem as ideias de Vladimir Jabotinsky. Benjamin Netanyahu é um “sionista revisionista” visceral, pois seu pai, Benzion Netanyahu, era secretário particular de seu idealizador.

Esse é o projeto também do imperialismo norte americano, embora alguns autores busquem imaginar que haja uma total contradição do sionismo revisionista e o imperialismo. Certamente que o governo dos EUA não se  fundamenta em esoterismos religiosos para defender o “grande Israel”. Está claro para ambos que Israel é importantíssimo como uma base para a influência imperialista no Oriente Médio. E o grande obstáculo para seu crescimento e estabilização  é a Palestina.. Por essa razão  são todos favoráveis a uma nova Nakba, ou seja, a expulsão dos palestinos do território de Gaza e da Cisjordânia  seja  através de um método brando seja através de uma solução mais violenta.

O Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, declarou à imprensa recentemente que bloquear a ajuda humanitária à Faixa de Gaza é “justificado e moral”, mesmo que isso faça com que dois milhões de civis morram de fome. O político de extrema direita lamentou, no entanto, que a comunidade internacional não permitiria que isso aconteça. Essa declaração faz parte, aparentemente, de uma campanha do governo israelense para legitimar a nova Nakba. Essa não é  a primeira, nem será a última declaração neste sentido. 

A grande questão para o governo de Israel é conseguir naturalizar essa opção, de um lado, e conseguir apoio internacional para ela, de outro. Netanyahu sabe que obterá esse apoio do imperialismo, mesmo que o governo Biden /Harris por razões meramente eleitorais não queira tocar no assunto no momento. Já Trump é muito mais sincero. No debate com Biden, realizado em 27 de Junho , Trump acusou Biden de não querer  ajudar Israel a “terminar o trabalho” na Faixa Gaza. “Joe [Biden] não percebe que Israel quer continuar e que deve deixá-los terminar o trabalho. Ele não quer fazer isso. Ele se tornou um palestino. Mas eles não gostam dele porque ele é um péssimo palestino. É um palestino fraco”

Um recente conflito entre ministros do governo Netanyahu esclarece como se posicionam as diferentes correntes dentro do governo. Os ministros da Defesa de Israel, Yoav Gallant, e o da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, fizeram troca de acusações após a publicação de um memorando  de  Ronen Bar, o líder do Conselho Nacional do Serviço de Informações (Shin Bet), que alerta para as ações empreendidas pela Juventude das Colinas. Esse grupo agiria livremente por que a polícia israelita, que atua sob as ordens de Ben Gvir, parece dar o seu apoio implícito a atos de vandalismo. Houve uma reação furiosa de Ben Gvir, que exigiu de imediato a demissão do chefe dos serviços de informações. 

Ben Gvir, ele próprio um colono, e o também ultranacionalista ministro das Finanças Bezalel Smotrich são peças essenciais para preservar a coligação governamental de extrema-direita em Israel. A tensão continuou com uma mensagem divulgada por Yoav Gallant, que defende a carta de Bar contra “as ações irresponsáveis do ministro Ben Gvir”, que acusa de “colocar em perigo a segurança nacional do Estado de Israel e criar um conflito interno”. 

No dia anterior quatro colonos israelitas, um deles menor, foram detidos por envolvimento num ataque à aldeia palestina de Jit, na Cisjordânia ocupada, na semana anterior, que deixou um morto e várias casas e carros vandalizados, um ataque que o Shin Bet e a polícia classificaram como “um grave incidente terrorista”. Ben-Gvir é um Kahanista, ou seja, um discípulo do Rabino Meir Kahane, que exige a expulsão dos cidadãos árabes palestinos de Israel e dos Territórios Ocupados e o estabelecimento de uma teocracia, e não esconde o seu desejo de usar a polícia de fronteiras expulsar as populações palestinas, sejam elas muçulmanas ou cristãs.

As forças oficiais de Ben Gvir representam, como observou Benny Gantz, um “exército privado”. Além disso, ele comanda centenas de milhares de supremacistas-vigilantes-colonos da Cisjordânia  juntamente com o rabino radical Dov Lior. Recentemente eles invadiram a base militar de Sde Teiman   para impedir que os soldados que estupraram prisioneiros palestinos fossem punidos. 

Dessa forma, Israel é um Estado em crise, não só como efeito do genocídio em Gaza,   mas pela fratura interna em grupos que disputam o poder se apropriando do Estado para seus interesses.  Israel a partir de 7 de Outubro, parece ter decidido acelerar os tempos e pôr fim de uma vez por todas aos seus problemas, ou dar um salto em frente com retumbantes vitórias militares.. Desde a ofensiva palestina, que deixou cerca de 1.200 mortos e 250 prisioneiros, isto mudou. Israel nunca havia recebido tal golpe. Ele perdeu a “paciência”, declarando claramente que resolveria todos os seus problemas manu militari num curto espaço de tempo, aniquilando Gaza e destruindo a resistência no Líbano.

Israel depende, quando uma guerra intensa dura mais de uma semana, da logística ocidental. Portanto, mais do que qualquer outro país, Israel está “impaciente”, querendo envolver os seus aliados e apoiantes numa guerra que lhe permita pôr fim ao conflito o mais rapidamente possível.  Israel está hoje em guerra em Gaza, na Cisjordânia, na fronteira com o Líbano e na fronteira com a Síria. E à distância com milícias do Iraque e com os iemenitas, além de ter entrado numa deterioração acelerada da sua relação com países tão grandes como a Turquia, entre outros. Isto leva a problemas económicos e políticos para a liderança israelita. A pressão do imperialismo para que Israel  encontre uma solução rápida e não exponha os crimes de forma tão transparente  é uma consequência dos problemas que a guerra em Gaza causa ao discurso ocidental. A pressão econômica interna e externa, a pressão social de um país mobilizado para a guerra e com centenas de milhares de pessoas deslocadas internamente é uma situação que não é sustentável ao longo do tempo.

O Irã e a paciência estratégica

 O mundo está envolvido numa guerra que, tanto no sentido amplo como no sentido estrito, definirá o quadro que regulará as relações internacionais e as formas de acumulação de capital. Um conflito de transição, talvez uma nova “guerra de 30 anos” que marca a mudança de uma era inteira. Esta ideia manifesta-se na prática concreta tanto nos conflitos militares clássicos, nas guerras híbridas ou nas revoluções coloridas, como nas profundas crises e conflitos políticos nos países do centro imperialista mundial.

O atual conflito no Médio Oriente, embora nunca tenha deixado de ser explícito e especialmente desde a Primavera Árabe, a verdade é que mudou de eixo após o ataque dos palestinianos em 7 de Outubro de 2023. Este ataque alterou o futuro da situação na região, quando Israel parecia estar avançando nos seus objetivos de legitimar e suprimir o “problema palestino”. Ou seja, a trajetória de acordos com vários países do mundo árabe, os “Acordos de Abraão”, a normalização e reconhecimento  do Estado de Israel, foi interrompida. Por outro lado, a questão da existência do povo palestino veio à tona e tornou impossível sua eliminação como um povo soberano.

Até esse momento, apenas o Irã e o “Eixo da Resistência” (um grupo de organizações de peso variável, incluindo o Hezbollah, os Houthis e o Hamas) tinham mantido uma posição intransigente em relação a Israel. Uma posição de confronto, mas sem chegar à guerra aberta, uma guerra numa “zona cinzenta”, um conflito de longa duração, caracterizado pela “paciência estratégica”.

Há duas décadas que os persas aparecem como o principal adversário de Israel, o chefe e apoiante das forças regionais que se opõem ao Estado judeu. Tanto os confrontos como as ameaças em termos militares, bem como as operações de inteligência, a concorrência em termos geopolíticos e de capacidades, mantiveram-se durante todo este tempo. Contudo, o Irã sempre teve o cuidado de que o conflito não ultrapassasse os limites da “zona cinzenta” (entre o Irã e Israel). Mesmo com o desejo explícito de Israel e as suas pressões e ações para produzir uma guerra em que as potências ocidentais confrontassem o Irã diretamente no terreno, isso não aconteceu. Os persas mantiveram a sua “paciência estratégica”

   O  Irã, aparentemente enquadrado nestes preceitos, tem mantido a sua estratégia na região, especialmente contra Israel. Se virmos concretamente, ele alcançou sucesso. Mesmo em tempos de avanço israelita desde a Primavera Árabe, o país cresceu em poder e influência regional. Ele conseguiu montar um acordo: o “eixo de resistência” que lhe permite manter uma presença em toda a região e especialmente lutar no terreno concreto e ameaçar vitalmente a segurança israelita, sem uma contrapartida igual no seu próprio país. O Irã está fortalecido na arena internacional e tem crescido como potência regional, superando com sucesso as últimas décadas e mantendo uma pressão permanente contra o inimigo israelita.

O Hezbollah aumentou a sua pressão até à beira da guerra, mas conteve os seus ataques para evitar a guerra total. Os iemenitas atacam Israel em termos militares e realizam um “bloqueio remoto” ou um “bloqueio indireto”, que também é uma ação agressiva de tipo militar. Este tipo de mobilização permite ao Irã manipular o fator tempo, absorvendo golpes para ganhar tempo; e fazendo com que o tempo fortaleça suas estruturas e enfraqueça as do inimigo. É por isso que mesmo quando determinados períodos ou ações parecem favorecer uma mudança de estratégia, o Irã mantém a sua “paciência”. Essa não é uma estratégia nova, muitos países ou outras entidades agiram desta forma, e resistiram a momentos difíceis ou avançaram sem risco ou pressa. Claro, a questão pode ser: qual é o limite antes das ações inimigas?

A política de assassinatos seletivos de Israel  é histórica. . Contudo, no presente caso as ações envolvem diretamente o Irã. Especialmente os ataques à representação diplomática iraniana na Síria, que custaram a vida a vários funcionários, incluindo um chefe da Guarda Revolucionária, já tiveram um impacto como uma provocação, que foi geralmente repudiada pela comunidade internacional. Mas o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã durante as atividades de posse do novo presidente iraniano, ultrapassou um limite que era tolerável para os persas, sem dúvida.

Numa retaliação anterior ao seu ataque ao consulado em Damasco, o Irã  se conteve. Lançaram um ataque massivo, mas possível de ser previsto, e que não causaria grandes vítimas, tendo sido salientado que faziam parte de uma resposta proporcional de retaliação, tal como é internacionalmente aceite.: Israel revelou todas as suas capacidades defensivas, quem foi o que agiu e como. Nesse sentido, o Irã dispõe hoje de informações importantes, que podem contribuir para uma possível ação militar de realiação.

Na verdade, a realização da “Conferência Islâmica” (reunindo todos os países de maioria islâmica) que condenou o “ataque terrorista” israelita nos termos mais duros não é um fato menor. Declarou o líder palestino um “mártir” e chamou o ataque de uma violação flagrante da soberania do Irã. Lembremos que este documento traz a assinatura da Arábia Saudita, da Turquia, da Indonésia, do Paquistão, das monarquias do Golfo etc. Embora a Conferência não seja um órgão vinculativo, expressa uma opinião coletiva que demonstra um estado de espírito que influencia, sem dúvida, as resoluções políticas.

Uma guerra em que o Irã se envolvesse diretamente implicaria provavelmente o fechamento do Golfo Pérsico e a necessidade de os Estados Unidos transferirem a maior parte da sua frota para os mares Vermelho, Mediterrâneo e Arábico. E lançaria dúvidas sobre as posições militares das bases norte-americanas no Golfo. Uma escalada ainda maior com a intervenção de tropas terrestres em grande escala por parte do Irã envolveria talvez uma presença ocidental para reforçar Israel. 

O imperialismo enfrenta um período de incerteza muito grande devido às eleições presidenciais. Neste quadro, não deve favorecer um acirramento do conflito de grandes proporções. O que não quer dizer que o enfrentamento do Irã não seja  um objetivo estratégico do imperialismo . No atual estágio de crise política, Israel é imprevisível. E o seu governo de sionistas extremistas e fanáticos religiosos pode gerar uma crise explosiva. O Irã pode e irá responder de alguma forma. Mas tentará manter o conflito nos limites que o Estado persa considera necessários. E vai colocar em ação o eixo da resistência para atacar Israel de várias localizações. Após a retaliação, será mantido um contínuo desgaste e cerco ao Estado sionista.

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